domingo, 14 de outubro de 2012

Valmir Santos na SP
Nesta segunda, 15 de outubro, o jornalista Valmir Santos visita a SP Escola de Teatro para um encontro com a turma do Curso de crítica. Valmir Santos foi repórter do jornal Folha de São Paulo por dez anos e atualmente publica no Teatro Jornal (WWW.teatrojornal.com.br).
  

Luis Antônio-Gabriela


Por Claudia Garcia
 A montagem de Luis Antônio-Gabriela, peça da Cia Mungunzá de Teatro, com direção e argumento de Nelson Baskerville, cumpre temporada no Teatro João Caetano, após apresentar-se na FUNARTE e diversos teatros e festivais pelo Brasil.
A peça retoma a história de Luis Antônio, irmão mais velho de Nelson Baskerville, que assumiu o nome de Gabriela ao mudar-se para a Espanha, onde se apresentava como artista travesti em casas noturnas de Bilbao. O roteiro retoma a história familiar de Nelson, retratando a morte de sua mãe, Guedes, em seu parto; passando pelo segundo e conturbado casamento do pai, Paschoal, com Doracy; e a conflituosa e complexa relação do pai com Luis Antônio e os demais filhos. Luis Antônio, embora apresentado à família como adotivo, era provavelmente filho do pai de Nelson com uma amante, suspeita que a peça vai aos poucos revelando.
Cenas de Luis Antonio Gabriela. Foto: Bob Sousa
O enredo explora de forma direta e crua, com o enorme mérito de conseguir fazê-lo de forma poética, a rejeição de Luis Antônio pela família; a importância do irmão mais velho no desenvolvimento da sexualidade do caçula Nelson (que era abusado pelo irmão); a relação violenta e paradoxalmente amorosa do pai com a família e seus filhos; o afastamento de Luis Antônio de todos, e finalmente, sua morte na Espanha, decorrente de inúmeras doenças, inclusive Aids. E a história que poderia redundar em um enorme dramalhão é apresentada com grande dignidade e verdade, em parte, pela coragem de seu criador; em parte, pela inventiva e carismática atuação dos atores da Cia Mungunzá.
Como é habitual nas montagens dirigidas por Nelson Baskerville, recursos cenográficos e audiovisuais dialogam com os atores, ampliando sentidos, conduzindo o olhar do espectador para mãos, olhos, frases sempre densas e carregadas de simbologia. Soluções técnicas simples: uma câmera que filma detalhes dos atores; bexigas que se enchem e desenham frases, letreiros luminosos que criam novas legendas para cada cena são mobilizados para dizer e insinuar o que poderia passar despercebido.
Com dois músicos em cena, além da execução musical e canto pelos atores, a trilha sonora do espetáculo é capaz de fazer rir e emocionar com a mesma força. A cena final do espetáculo, em que os atores recriam a atmosfera de Gabriela cantando nas casas noturnas de Bilbao, é executada com maestria e beleza ímpares.
  Nelson Baskerville declara, em cena e fora dela, que montou Luis Antônio-Gabriela para se desculpar com o irmão, para tentar compreender e resignificar sua história. Não sabemos se o irmão gostaria da homenagem. Mas o público pode agradecer e enaltecer a imensa coragem de Nelson. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O Livro de itens do Paciente Estevão

Por Claudia Garcia

A Companhia Sutil de Teatro estreou no dia 07 de setembro em São Paulo sua última montagem, “O livro de itens do Paciente Estevão”, depois de temporada no Rio de Janeiro, com direção de Felipe Hirsch e grande elenco.
 Leonardo Medeiros. Foto: Leonardo Aversa
Depois de empreitadas e investidas variadas ao longo de quase vinte anos, incluindo a adaptação de clássicos (por exemplo, “A morte de um caixeiro viajante”, de Arthur Miller) e a montagem de textos inéditos - iniciativa em grande parte responsável pela consagração da companhia - Felipe Hirsch dirige a adaptação do romance “O Paciente Steve”, de autoria do norte-americano Sam Lypsite. A montagem é mais uma parceria da companhia com o autor, com quem Felipe Hirsch, Will Eno e Daniela Thomas trabalharam no filme Insolação.
A montagem conta com antigos parceiros de Hirsch: Guilherme Weber e Leonardo Medeiros como atores, de um lado; Daniela Thomas (cenografia) e Beto Bruel (desenho de luz), de outro. Coincidentemente ou não, é nestes quesitos (atuação e concepção cênica) que a montagem se mostra mais consistente e segura. Mérito também do excelente elenco escalado por Felipe Hirsch, que inclui Isabel Teixeira, Georgette Fadell, Danilo Grangheia, Maureen Miranda, Márcio Vitto e Pedro Inoue. Atores tarimbados e experientes, Bel Teixeira, Georgette e Danilo representam diversos personagens e transitam com maestria em papeis densos.
Com cinco horas de duração, a montagem é, em grande medida, adaptação do romance citado. O final da história, contudo, foi concebido durante os ensaios do espetáculo e definido dias antes da estreia, alterando a conclusão do romance de Lypsite. Acusado de plágio em sua última montagem (“Trilhas sonoras de amor perdidas”), Hirsch garante que, dessa vez, teve autorização do autor para adaptar o texto.
Dividida em duas partes, “Os princípios” e “Os domínios”, a tragédia de humor negro apresenta a história de Estevão, “cujo nome não é Estevão”, um publicitário diagnosticado com uma rara doença, de etiologia desconhecida, mas de diagnóstico ironicamente certo: ele morrerá. Não se sabe quando, nem por que. Argumento que sustenta momentos geniais da peça, inspirando citações hamletianas e indagações éticas e metafísicas que poderiam alçar texto e montagem a um patamar elevado na história do drama moderno.
A história se desenvolve à medida que Estevão, desenganado, se vê levado a rever e revisitar sua trajetória e relações, passando por um casamento fracassado (Cristina, sua esposa, interpretada por Bel Teixeira, é roubada pelo amigo), o trabalho medíocre, a filha problemática e carente (interna no colégio para crianças com falta de afeto); o amigo que morre diante dele. Sem perspectivas, Estevão recorre ao guru Adolfo Henrique, que fundara uma comunidade para pessoas igualmente problemáticas e socialmente rejeitadas, o Centro de Recuperação de Almas, prometendo curá-las e libertá-las com falsos renascimentos, sessões de tortura e demonstrações de perversão sexual.
A doentia relação de Adolfo Henrique com os internos da colônia torna-se central para o enredo da peça da metade em diante e desvia a atenção daquilo que poderia ser o drama de Estevão para as relações entre o falso guru e seus seguidores; e para aquilo que se revela o surgimento de uma grande corporação, “Os Domínios”, rede de novas mídias que exploram o drama de Estevão, dos internos e, na reviravolta da trama, a morte do próprio Adolfo Henrique.
Ao problematizar a relação entre sujeito e sociedade, a peça parece corroborar a ideia de que o sujeito moderno é também uma ficção, quase como se um Hamlet nos dias de hoje não pudesse ser mais do que um perfil nas redes sociais. O drama do indivíduo, que no surgimento da era moderna se circunscreve a suas relações sociais e à sua consciência, é aqui recolocado em um mundo em que o indivíduo é uma ficção criada e diluída em redes sociais virtuais. O sujeito contudo, resiste e sobrevive.
A despeito do argumento interessante, a longa montagem poderia abrir mão de cenas repetitivas e que apenas gabaritam o que já fora dito e insinuado de forma eficaz. Saber se a Cia Sutil acertou ou não requer paciência.

Sobre os domínios (O livro de itens do paciente Estevão)

Por Raimundo Junior

Pelo menos em algum momento tédio é o que comumente se espera de uma peça de 5 horas. Contudo, em O Livro de Itens do Paciente Estevão, em cartaz no SESC Belenzinho, o tédio fica sendo apenas a patologia do personagem Estevão, interpretado de uma forma básica – porém interessante - por Leonardo Medeiros. 
Guilherme Weber, Danilo Grangheia e  Leonardo Medeiros.
Foto: Fernando Donasci
Além do tédio deste personagem principal, o texto aborda diversas patologias sociais ao longo de seus dois atos, como a suscetibilidade à mercantilização de nossa própria imagem, a nossa pré-disposição em colocá-la a disposição de mídias. No segundo ato, denominado “Os Domínios”, isso fica muito claro: o público entende o porquê do recurso audiovisual disposto em telas sobre o cenário e em lugares estratégicos da plateia, mostrando pontos de vista com câmeras fixas em preto e branco, ao vivo, das cenas que estão acontecendo no palco. São ângulos e fotografias que causam estranhamento, aflição; deixam o espectador mais ativo do que se assistisse a uma câmera de segurança, mais passivo do que se assistisse a um Big Brother. São câmeras de um experimento ao qual os seres estão sujeitos diariamente e durante toda a vida. Um experimento que não sabemos ao certo quem é o manipulador, o “deus”, aquele que dá as regras da cena, mas ao qual o sujeito se doa e pelo qual ele não sente medo.
Somos, hoje, facilmente encontrados em “domínios” da internet, que nos levam da vida de um a vida de outro em um clique, que nos permitem opinar sobre qualquer assunto a qualquer hora, de forma contextualizada ou não, em 140 caracteres de um twitter ou em páginas de jornais online e blogs. E, sobretudo, queremos dar esta opinião e, com isto, afirmar a nossa existência e relevância. 
Nestes domínios, Guilherme Weber, Georgette Faddel e Danilo Grangheia desenvolvem uma interpretação segura, com personagens que praticamente têm linhas delineadoras contornando-os em um cenário inteligente e imutável, com um fiat 147 prateado/reluzente em meio aos figurinos de Cassio Brasil. Servem totalmente ao drama e pipocam referências a cada ato. Nesse ambiente, uma parábola é contada com a clareza de um discurso nazista; um conto sobre acontecimentos determinantes na infância vira mote para toda a peça. Pequenas histórias servem ao texto completo, mas também têm luz sobre si mesmas e assim compõem a leveza do espetáculo. 
Os hiperlinks, com seus assuntos que se encerram em si mesmos (mas que também compõem o enredo) dão a dinamicidade da obra e, por isso, o tempo de espetáculo não pesa. Ele pode ser assistido com a fluidez de quem navega na internet: de uma página se vai a outra por uma nota no rodapé, uma foto leva a outro site, algumas palavras eróticas te colocam em outra e um red line exótico nos fazem chegar em domínios nos quais nunca havíamos pensado em estar quando o computador fora ligado. A pós-modernidade fluida, assim como os jogos exacerbados do capital são, nesta peça, profundamente decupados e bem enquadrados.

O Livro de Itens do Paciente Estevão

Por Giselle Zurita

Estevão, nome atribuído ao personagem principal da peça, - apesar deste assegurar que esse não é seu nome – vê sua vida se transformar após receber a notícia de que sofre de uma doença desconhecida e de que morrerá em decorrência dela.
Pode-se esperar que as temáticas “doença” e “morte” sejam tratadas nas obras com desolação ou servindo como alavanca para impulsionar a personagem a aproveitar a vida que lhe resta. Estevão passa por esses estágios, mas é a apatia o que lhe caracteriza. Estevão é quase sempre dirigido pelas escolhas das demais personagens, sua ex-mulher, melhor amigo e pessoas que conhece enquanto aguarda a aparição de sintomas e a chegada de sua morte. Há sempre respostas de sua parte, dificilmente ações. Essa atitude o leva a situações inimagináveis, desde o diagnóstico de sua doença até os momentos finais da obra.

O livro de itens do paciente Estevão. Foto: Carolina Viana
Estevão não recebe influência apenas das personagens que o cercam, mas também da massa de pessoas que acompanha sua história por meio da mídia. Este é um ponto importante da obra, pois, apesar de mostrar comportamentos extremos nas circunstâncias apresentadas, leva a reflexão de que talvez as atitudes do público retratado não estejam tão longe da nossa realidade com relação a internet, redes sociais e reality shows.
Talvez a única pessoa que não queira dirigir a vida de Estevão seja sua filha, uma jovem que parece tão perdida quanto o pai. Apesar de extensa, a obra deixa de abordar a relação entre os dois com maior profundidade, o que se mostra necessário dada a expectativa de morte.   
Cenário, música e iluminação auxiliam a compreensão das mudanças de ambiente na história – Estevão passa por diversos locais. A utilização do vídeo deveria ser, contudo, melhor estudada, uma vez que às vezes há projeção de costas nas telas utilizadas e falta narração nos momentos em que longos textos se tornam o foco.
Em alguns momentos, outras personagens assumem o comando, já que o que falta de decisão a Estevão parece sobrar naqueles que o acompanham. É aí que a obra acaba se estendendo, principalmente próximo a metade do espetáculo. Apesar de chegar a buscar a cura, Estevão segue a corrente dos acontecimentos, preso a dores de seu passado e conforme com seu desfecho, seja ele qual for. A fala de uma das personagens da peça talvez retrate bem o incômodo que a apatia de Estevão pode causar: “Deus manda ser bom, mas não idiota”.

O Livro de Itens do Paciente Estevão

Por Thiago Tavares

Com dramaturgia escrita sobre a obra “The Subject Steve”, de Sam Lipsyte, a montagem conta com ótimos atores, boa dramaturgia, mas não consegue segurar um espetáculo de 4h30min.
Dirigida por Felipe Hirsch, que parece ter mergulhado na cultura pop, tem uma riqueza na produção com figurinos e cenários bem executados. Porém, não emociona, é fria, com um ritmo que segue ralentado, com cenas quase que sem propósito feitas apenas para os atores e não para o público.
Não fossem as excelentes interpretações, “O Livro de Itens do Paciente Estevão” seria um espetáculo tedioso, tentando mostrar a fragilidade da vida humana.
Espetáculo da Sutil Cia. Direção de Felipe Hirsch. Foto: Divulgação
Com vibrante atuação, Georgette Fadel dá certo frescor à “Sutil Companhia”. Ao lado, Guilherme Weber (co-fundador da cia) e Leonardo Medeiros, que interpreta o protagonista Estevão com excelência e constrói um personagem emocionante, levando  a rápida identificação por todo o público. O personagem é um herói anônimo do nosso tempo, diagnosticado com uma doença sem cura. Entregar a vida e a morte é a grande questão.
A cenografia de Daniela Thomas e Felipe Hirsch fazem do espaço cênico um lugar apertado, transmitindo todas as angústias de Estevão. É auxiliada pela excelente iluminação de Beto Bruel e pela trilha sonora de Hirsch, tornada  um dos melhores elementos da peça.
Com a nova e mais ambiciosa montagem, a “Sutil Companhia” nos apresenta um  espetáculo que se torna longo, cansativo e repetitivo em várias sequências, mas possui um elenco de grande talento. Há qualidades, mas o resultado parece ser apenas dos atores e diretor, como se estivessem ainda no processo de pesquisa. Não conseguem mostrar de fato o que o espetáculo pretende. Entretanto, em se tratando da Sutil Companhia assistir a montagem é um dever.

O brasileiro é um feriado (A Falecida)

Por Tiago Afonso

 Maria Luisa Mendonça em A Falecida. Direção de Marco Antonio Braz. Foto: João Caldas
Pombas! Após o terceiro sinal, Ruy Castro, jornalista e grande escritor de biografias, entre elas, “O Anjo Pornográfico: A vida de Nelson Rodrigues”, nos conta toda a história da peça. Uma coisa é fato: muitos conhecem as obras de Nelson, mas a expectativa antes de começar o espetáculo é diferente, não queremos nos contagiar com os fatos que acontecerão [salvo casos raríssimos de pessoas que gostam de saber o que vão assistir antes]. Não estou descascando a lenha, mas: cortinas abertas, atores em cena se preparando, todo o grandioso cenário a “La” Teatro Popular do Sesi, entre o exuberante e o dispensável... é chato escutar tudo isso antes, não somos cabeças de bagre.
Todos os últimos espetáculos que a instituição produz tem um nome “conhecido” no personagem titulo. Mas, até ai morreu Neves. O mais importante é que de alguma maneira eles conseguem levar milhares de pessoas ao teatro por mês. A questão fica para uma próxima discussão: o que leva tantos apreciadores a ver essas produções? O “conhecido”? A encenação?  
All rigth, vamos dispensar apresentações sobre o autor, afinal um centenário em sua homenagem só revela o quão grande, influentes e irreverentes são suas obras. Diz ele: O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.
No duro, a direção do Braz nesse espetáculo não nos traz o invisível do texto, o que realmente Nelson quer nos mostrar com sua primeira tragédia carioca: o cotidiano vulgar dos brasileiros, a falta de dinheiro, as doenças, o dedo no nariz das crianças, as pernas cabeludas de uma mulher, as cartomantes picaretas e o lado mais grosseiro da vida. É uma encenação simples. De fio a pavio: nada é novo, os atores não se entregam ao jogo, não pintam o sete em cena, não se tornam reais, a fulana que interpreta Zulmira, apesar de ser um biju em cena, se perde em meio a multidão.
Ah, o palco italiano. Cada dia tem sido mais estranho o publico não fazer parte da representação, quando também somos parte dela, carambolas! Termos que ficar ali, como plateia, no escuro, perdidos, não nos torna parte da representação, quando poderíamos estar em um grande jogo de futebol, lutando e gritando por Zulmira, por Tuninho, Pimentel e Timbira. Já dizia Nelson: “Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento”.